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As imagens de Gaza

Não que eu entenda de semiótica (sei de Pierce e de Himjsvzmiwjselv por exemplo, mas não tenho nem um conhecimento profundo nem lembro sistematicamente de nada disso), no entanto eu sei que a escolha de tal ou qual imagem nunca é neutra. Mesmo que pareçam casuais, carregam intenções — seja para informar, sensibilizar ou até manipular, conscientemente ou não. As fotografias de um protesto, por exemplo, podem focar nos um manifestantes ou no confronto com a polícia, e cada foco altera substancialmente a mensagem transmitida. As imagens não são meros acessórios decorativos de um texto: são narrativas por si só, capazes de reforçar, contradizer ou até eclipsar as palavras que as cercam.

O desconforto que me levou a este texto é o uso recorrente de imagens horríveis do genocídio em Gaza. O horror que acontece lá é real, desumano e inaceitável - mas eu não tenho certeza de que a reprodução incessante de corpos ensanguentados, vidas sob os escombros e defuntos infantis enfileirados um ao lado do outro realmente ajude a combatê-lo. Exceto pelo governo extremista que governa Israel e esse horror hoje em dia, ninguém quer sob os seus olhos esse sofrimento, nem quem o vive, nem quem o acompanha de longe: todos, a não ser o governo extremista, querem o fim desse horror (que não deveria ter nem começado). No fim questão que fica é: qual vai ser o resultado de insistir em expor a dor alheia?

Dá para entender claramente a intenção de chocar para "mostrar a realidade", como se as imagens fossem um convite à ação. Mas há um duplo risco nisso: ou a repetição desses horrores os banaliza, como naquelas histórias de médicos que não ficam mais chocados com a morte de pacientes, ou afasta as pessoas que, previamente interessadas ou não no assunto, desviarão o olhar do sofrimento ilustrado. Compartilhar a destruição pode nascer da urgência de denúncia, mas repetir isso sistematicamente pode muito bem causar um efeito contrário a médio e longo prazo: anestesiar em vez de mobilizar, cansar/naturalizar em vez de comover.

A ilustração da barbárie dificilmente vai atrair quem ainda está indiferente a ela. Quem compartilha as fotos mais assombrosas do horror grotesco em Gaza já se sensibilizou, e provavelmente não foi por causa de alguma foto que lhe tirou da indiferença anterior para a sensibilização posterior, e quem as evita dificilmente vai mudar de ideia por ver elas.

Apelar à razão — com dados, contextos e análises — deveria ser a regra, enquanto que o apelo às fortes emoções deveria ser a exceção, e não o contrário, que é o que parece ser a regra neste e em todos os outros casos hoje em dia.